Fechar
O sistema HLA (Antígeno Leucocitário Humano, em inglês Human Leukocyte Antigen), revolucionou a forma como compreendemos a compatibilidade entre doadores e receptores em transplantes de órgãos, tecidos e células. Hoje, o tipagem HLA é essencial não apenas para transplantes, mas também para estudos de doenças autoimunes, farmacogenética e imunoterapia. Mas nem sempre foi assim.
Muito antes da medicina moderna, o imaginário popular já nutria ideias de substituição de partes do corpo humano. A lenda de Cosme e Damião, santos gêmeos que teriam realizado um transplante de perna em um paciente utilizando o membro de um homem falecido, simboliza essa busca ancestral pela cura por meio da doação.
No século XV, o Papa Inocêncio VIII foi protagonista de uma tentativa desesperada de transfusão de sangue, recebendo sangue de três jovens em um procedimento que resultou na morte de todos os envolvidos. O desconhecimento dos grupos sanguíneos ABO ainda era uma barreira intransponível para a medicina da época.
A segurança nas transfusões de sangue só se tornou possível após a descoberta dos grupos sanguíneos ABO por Karl Landsteiner, em 1901. Antes disso, muitas tentativas resultavam em falência orgânica e morte por incompatibilidade. A aplicação clínica desse conhecimento ganhou força apenas a partir de 1940, quando os testes laboratoriais se tornaram mais acessíveis, permitindo transfusões seguras e abrindo caminho para os avanços em compatibilidade imunológica, como o sistema HLA.
Em 1954, em Boston, foi realizado o primeiro transplante de rim bem-sucedido entre gêmeos univitelinos, o que evitava a rejeição por serem geneticamente idênticos. Esse procedimento pioneiro provou que transplantes poderiam salvar vidas se a compatibilidade fosse garantida.
Em 1964, o imunologista Paul Terasaki desenvolveu o primeiro teste para detectar anticorpos anti-HLA, abrindo uma nova era no diagnóstico de compatibilidade para transplantes. Seu método, o teste de citotoxicidade dependente de complemento (CDC), permitia identificar se o sistema imunológico do receptor rejeitaria o órgão do doador.
Em 1969, Terasaki publicou essa técnica no New England Journal of Medicine, estabelecendo as provas cruzadas pré-transplante, que ajudaram a evitar rejeições hiperagudas, aumentando significativamente o sucesso das cirurgias. Seu trabalho foi fundamental para a segurança e eficácia dos transplantes modernos e marcou o início da imunologia do transplante como área científica.
Ainda na década de 1960, avanços significativos trouxeram mais sensibilidade e precisão à prova cruzada. A introdução da antiglobulina humana ao método CDC permitiu detectar anticorpos de baixa afinidade, que antes passavam despercebidos, elevando a segurança do procedimento. Em 1973, o pesquisador Marvin Garovoy apresentou a prova cruzada por citometria de fluxo, que revolucionou a prática clínica ao oferecer uma análise mais sensível e quantitativa dos anticorpos anti-HLA pré-formados. Essa metodologia é, até hoje, um dos padrões-ouro para avaliação imunológica em candidatos a transplantes.
O primeiro transplante de rim no Brasil foi realizado no Rio de Janeiro, em 1960, marcando o início de uma jornada nacional na medicina de transplantes. Pouco depois, São Paulo inaugurava a primeira Unidade de Transplante Renal (UTR) do país, consolidando a especialidade.
Em 1968, o Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, um dos maiores cirurgiões cardiovasculares brasileiros, realizou o primeiro transplante de coração do Brasil, um marco histórico que também representou o quarto procedimento desse tipo realizado no mundo até então. Essa conquista não só colocou o Brasil na vanguarda da cirurgia cardiovascular, como também evidenciou a capacidade nacional de realizar procedimentos complexos e inovadores em transplantes.
O pioneirismo do Dr. Zerbini foi fundamental para o avanço da medicina de transplantes no país, abrindo caminho para o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas avançadas, aprimoramento do diagnóstico imunológico, incluindo o HLA, e estabelecimento de equipes multidisciplinares especializadas. Seu legado permanece vivo como inspiração para gerações de médicos, pesquisadores e pacientes, consolidando o Brasil como referência internacional em transplantes.
Durante as décadas de 1970 e 1980, os testes sorológicos de HLA se tornaram rotineiros, permitindo a tipagem HLA por microcitotoxicidade com base na reatividade de anticorpos contra os antígenos HLA presentes nos leucócitos.
Nos anos 1990, os métodos moleculares substituíram progressivamente os testes sorológicos, com técnicas como:
Esses métodos aumentaram a precisão da tipagem e reduziram os riscos de incompatibilidade nos transplantes.
O desenvolvimento do IMGT/HLA Database e de outros bancos globais permitiu a padronização da nomenclatura HLA e a comparação de resultados entre laboratórios de todo o mundo.
Em 1993, foi criado o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME), que se tornou um dos maiores registros do mundo. Ele utiliza a tipagem HLA para identificar compatibilidades entre doadores e receptores, ampliando o acesso ao transplante de medula óssea no país.
Com a introdução do Next Generation Sequencing (NGS) nos anos 2010, o diagnóstico HLA atingiu um novo patamar. Essa tecnologia permite a tipagem em alta resolução, com leitura completa de éxons e regiões reguladoras, essencial para transplantes alogênicos de alta complexidade e estudos farmacogenéticos.
Hoje, a integração entre IA, algoritmos de machine learning e bancos de dados genômicos está transformando o HLA em uma ferramenta preditiva. É possível:
O diagnóstico HLA percorreu um longo caminho: dos mitos e tentativas rudimentares à medicina de precisão baseada em dados genômicos. Hoje, representa uma das áreas mais sofisticadas da imunologia, essencial para o sucesso de terapias avançadas e para o cuidado personalizado com os pacientes.
A Biometrix tem orgulho de acompanhar essa evolução, oferecendo tecnologias de ponta para diagnóstico molecular e contribuindo com a excelência da imunogenética no Brasil.